Qual a diferença entre pardo e preto? E “negro”?

Pardo deriva de pardus, leopardo em latim. Significa mestiço, independentemente da cor e da aparência. Neste sentido, os primeiros pardos brasileiros nasceram por volta de 1510, filhos de índias com brancos portugueses.

Preto refere-se aos nativos da África sub-saariana de cor preta e aos seus descendentes nascidos na América que não se miscigenaram, os crioulos. Oficialmente, em 1549 chegaram os primeiros pretos ao Brasil.

Negro é uma palavra de origem portuguesa ou espanhola criada para referir-se aos escravos pretos e, no Brasil, também aos índios escravizados, os denominados ‘negros da terra’, razão de ser um termo considerado ofensivo por muitas pessoas no Brasil, nos EUA e em outros países. Dela deriva a palavra ‘negreiro’ para identificar a pessoa que fazia tráfico de negros, o navio que servia a esse tráfico ou o comandante desse navio negreiro.

Pardo tem sido empregado, de forma mais restrita, para indicar tonalidades de cor de pele entre branco e preto.

O registro mais antigo da palavra ‘pardo’ na história do Brasil se encontra na carta de Pero Vaz de Caminha, durante a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500. Ele relatou ao rei de Portugal, D. Manuel, que os índios eram

“pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos”.

De uma maneira sucinta, a maior parte dos brasileiros que se classificam como pardos usa o mesmo critério daqueles que se classificavam como mestiços nos censos antigos: são pessoas de ascendência mestiça, frutos de quinhentos anos de miscigenação entre índios, brancos e pretos.

Amarelo, marrom, branco e preto, as diversas cores da pelugem do leopardo simbolizam a variedade de cor de pele dos pardos e a mestiçagem.

O pardo nos censos brasileiros

O termo pardo é usado oficialmente no Brasil para classificação de cor/raça pelo IBGE. No censo de 2022, 45,3% da população do Brasil se auto-declararam pardos. O Brasil adota a auto-declaração para classificar a sua população nas opções de cor/raça branca, preta, parda, amarela e indígena. O termo ‘pardo’ é adotado nos censos oficiais nacionais brasileiros desde o primeiro, em 1872. Foi substituído por ‘mestiço’ no censo de 1890, retornando no censo de 1940, após a criação do IBGE, e permanece até os dias atuais.

AnoVariáveis cor/raçaObservações
1872branca, preta, parda e cabocla
1890branca, preta, mestiça e cabocla
1900
1920
1940branca, preta, parda e amarelaparda [caboclo, mulato, moreno]
1950branca, preta, parda e amarelaparda [índio, pardo, caboclo, mulato, cafuzo, mestiço]
1960branca, preta, parda, amarela e indígena
1970
1980branca, preta, parda e amarelaparda [mulato, mestiço, índio, caboclo, mameluco, cafuzo]
1991branca, preta, parda, amarela e indígenaamarela [orientais]
2000branca, preta, parda, amarela e indígenaparda [mulato, mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo]
2010branca, preta, parda, amarela e indígenaparda [mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo, mulato]
2022branca, preta, parda, amarela e indígenaparda [mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo, mulato]

Baseado em “Brasil mostra a tua cara”: imagens da população brasileira nos censos demográficos de 1872 a 2000 / Jane Souto de Oliveira. – Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2003. A Escola Nacional de Ciências Estatísticas é instituição pertencente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Pardo não é ‘negro’

Pardo não é sinônimo de ‘negro’ ou de afrodescendente. Como observado acima, antes de haver pretos no Brasil já havia pardos, os mestiços caboclos, com presença em todo o Brasil, marcantemente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também parcela dos mestiços descende de amarelos (japoneses, chineses, coreanos e outros povos do sudeste asiático) e não são afrodescendentes.

Pardos descendentes de pretos, a exemplo dos cafuzos e mulatos, também não são pretos. A grande maioria da população afrodescendente do Brasil não é preta, mas mestiça. Além da população originada da miscigenação de pretos com índios e brancos, parte dos escravos trazidos da África eram mulatos, como os fulos.

O IBGE não classifica pardos como ‘negros’

A palavra negro nunca constou nos censos nacionais que pesquisaram sobre cor e raça e nunca foi adotada pelo IBGE, que resistiu a pretensões de movimentos negros e do petismo. A classificação dos pardos como negros consta no Estatuto da Igualdade Racial. Não obriga o órgão a abandonar a distinção entre pardos e pretos em suas pesquisas. O autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial foi o senador petista Paulo Paim, ativista do movimento negro.

Segundo o IBGE, as opções de “cor ou raça” da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios têm o seguinte significado:

“Característica declarada pelas pessoas com base nas seguintes opções: branca, preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa, coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia)”, Anuário Estatístico do Brasil, v. 76, 2016.

O primeiro censo nacional brasileiro foi realizado em 1872, época em que ainda não havia sido abolida a escravidão. Desde essa época tem sido adotado o termo ‘preto’ nas opções de cor/raça. Incluir ‘negro’ naquele censo entre as opções induziria a pessoa entrevistada a pensar que o governo estaria interessado em saber se ela era escrava ou não.

Os ‘negros da terra’

Os escravos índios do Brasil eram denominados ‘negros da terra’. Para destacar que os índios não estavam destinados a serem escravos, a alcunha foi proibida pelo governo português, em 1755:

“Entre os lastimosos princípios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos Índios o abatimento ponderado, é sem dúvida um deles a injusta, e escandalosa introdução de lhes chamarem Negros; querendo talvez com a infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa da África. E porque, além de ser prejudicialíssimo à civilidade dos mesmos Índios este abominável abuso, seria indecoroso às Reais Leis de Sua Majestade chamar Negros a uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico: Não consentirão os Diretores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos Índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam; para que compreendendo eles, que lhes não compete a vileza do mesmo nome, possam conceber aquelas nobres idéias, que naturalmente infundem nos homens a estimação, e a honra”, Diretório dos Índios, item 10.

No Brasil, os índios foram escravizados antes dos pretos africanos e a abolição da escravidão índia também foi anterior. Ocorreu primeiro no Estado do Grão-Pará e Maranhão, por meio de lei de 6 de junho de 1755, no reinado de D. José I. A medida fazia parte da política do Marquês de Pombal de integrar os índios, promover casamentos com portugueses e retirá-los da dominação dos jesuítas. Pelo Alvará de 8 de maio de 1758, a abolição passou a valer para todo o Brasil.

Política do PT contra pardos

Após o presidente Lula da Silva assumir o governo federal, em 2003, cumpriu as diretrizes do Plano de Governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e implantou uma classificação assimilacionista em que os pardos passaram a ser considerados como negros nas políticas e análises estatísticas governamentais.

Um dos principais idealizadores desse “enegrecimento” oficial dos pardos foi o antropólogo branco Florestan Fernandes, senador constituinte pelo PT que, embora reconhecesse que mestiços e pretos são distintos, planejava explorar a eliminação política e ideológica dos mestiços:

”Dentro da população negra e mestiça não há homogeneidade. Criar esta homogeneidade é um problema preliminarmente político: trata-se de levar o mulato a se identifica não com o branco, não com a rejeição à luta contra o preconceito, mas levá-lo a aceitar a sua condição de negro e fazer com que sejam negros todos os que possuam caracteres de origem.”1

O objetivo era de angariar militância para a causa marxista:

“Você não pode eliminar a raça como você não pode eliminar a classe. Elas estão aí. E para que as duas possam interagir, a raça tem de ser absorvida pelo conflito de classe. Porque, se o negro e o mulato quiserem defender a sua posição em termos estritamente raciais, eles se segregam e não terão a mesma importância que eles teriam. Pois, veja bem, o negro e o mulato são fermentos revolucionários tremendos na sociedade brasileira, na medida em que eles não se segreguem, e levem o protesto racial para dentro da luta de classes”.2

Para administrar sua política racial, o governo Lula instituiu a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

No último censo brasileiro realizado pelo IBGE, apenas 10,2% dos brasileiros se auto-declararam pretos. Somando com pardos (inclusive os não descendentes de pretos), a população preta, sob rótulo de “população negra”, aumenta para 55,5%.

Moreno

Moreno é uma palavra frequentemente empregada no Brasil para referir-se a pessoas de cor de pele escura, tanto pardas quanto pretas. Para o Dicionário Priberam, moreno é “que ou quem possui pele de cor acastanhada ou de tonalidade mais escura” e “que ou quem possui cabelo castanho-escuro ou preto”, ou seja, pode ser aplicada a determinados brancos. O Dicionário Aurélio conceitua a palavra como “que ou aquele que possui cor trigueira”, ou seja, cor de trigo.

Mouros e amoras.

Quanto à etimologia, a hipótese mais aceita afirma que derivaria da palavra mouro, que se refere aos povos originados da Mauritânia, região do Norte da África, que invadiram e dominaram Portugal e Espanha por séculos durante a Idade Média. Os mouros eram formados por brancos, pretos e mestiços. O termo serviria para marcar o contraste com os iberos, celtas, visigodos e outros povos nativos. Outra hipótese diz que a palavra moreno derivaria da palavra ‘amora’, uma planta cujo fruto é de cor preta.

Pardos e Mestiços

Pardo significa miscigenado. Nem todo pardo, porém, identifica-se como mestiço; há aqueles que por diversos motivos históricos ou políticos rejeitaram a sua identidade genealógica objetiva e identificaram-se como uma das raças, ou grupos genealógicos, que lhes deram origem. Embora miscigenados, não são etnicamente, ideologicamente mestiços.

O Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro – Nação Mestiça é a associação étnica do Povo Mestiço Brasileiro. É a associação do Povo Mestiço enquanto etnia específica e distinta das que lhe deram origem. Não é uma associação de miscigenados simplesmente, mas de miscigenados que etnicamente se identificam como Mestiços. Adota, assim, o seguinte conceito étnico de mestiço:

Mestiço brasileiro é o indivíduo que como tal se identifica, de cor parda ou não, e que é descendente de mestiço ou de qualquer miscigenação entre índio, branco, preto, amarelo ou outra identidade não-mestiça, que se identifica como distinto destas e etnicamente de qualquer outra e que é, nestes termos, reconhecido pela comunidade da etnia mestiça brasileira (nacional, nativa, unitária, indivisível, originada e constituída durante o processo de formação da Nação brasileira e indissociável e exclusivamente identificada com esta).

Em outros países

Nos EUA, os censos do país iniciaram em 1790, mas só contavam brancos livres, demais pessoas livres e escravos, sem distinguir a classificação racial destes. Os ‘índios sem cidadania’ passam a ser contados a partir de 1800.

No censo de 1820, aparece a opção ‘pessoas de cor livres’ que, em 1850, é substituída pelas opções Black (preto) e Mulatto. Em 1930, seguindo diversas leis que proibiam casamentos inter-raciais, estas duas opções foram substituídas por Negro.

Em 1970, após as lutas pelos direitos civis lideradas pelo pastor batista Martin Luther King, a opção foi mudada para Negro or Black (negro ou preto) e em 2000 para Black, African-American or Negro. No censo seguinte passou a ser permitido assinalar mais de uma opção de modo que os mulatos e outros mestiços puderam registrar suas diversas origens. Em 2016, o presidente Barak Obama, a pedido dos movimentos pretos daquele país, sancionou a Lei nº 114-157,3 excluindo a categoria Negro dos censos dos EUA.

No censo de 2020 foi permitido assinalar mais de uma opção de modo que os mulatos e outros mestiços puderam registrar suas diversas origens.4

Em Moçambique, o censo de 2007 apresentou as opções ‘mestiço’ e ‘negro’.

Em Belize, a bandeira do país traz as imagens de um caboclo e a de um mulato.5

No censo do Canadá, há opções específicas para Métis e para Black.

  1. Fernandes, Florestan. Significado do protesto negro. São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1989. p.68. Republica entrevista ao jornal Em Tempo, São Paulo, de 31-07 a 13-08-1980. ↩︎
  2. Fernandes, Florestan. Significado do protesto negro. São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1989. p.85. ↩︎
  3. https://www.congress.gov/bill/114th-congress/house-bill/4238/text ↩︎
  4. https://www.census.gov/library/stories/2023/06/nearly-a-third-reporting-two-or-more-races-under-18-in-2020.html ↩︎
  5. https://www.britannica.com/topic/flag-of-Belize ↩︎

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